terça-feira, 21 de setembro de 2010

Verdade

A tensão era quase palpável, a madrugada fria continuava como se o tempo não passasse. A luz possuía uma branquidão de papel que relembrava um hospital, uma luz trêmula e quase fantasmagórica. Encolhida em uma cadeira, muito curta para o corpo, a menina abraçava os joelhos, pois era de fato a única forma de consolo que obteria. De si mesma para si própria. Os pijamas curtos não eram nem de longe apropriados para aquele lugar, fardas autoritárias vagavam de lá para cá, problemas e prisões estariam ocorrendo do outro lado da única porta da sala? O distrito não era lugar para crianças, muito menos de madrugada.
A mãe - num misto de choque e temor e fingimento - andava atrás dos oficiais contando sua história com a voz trêmula. A menina suspirou. Se pai estaria ainda num questionário sobre agressão, mas aquilo estava tudo errado. A criança esteve lá, havia presenciado. Ainda assim... Preferia esperar para ver.
Ora, seu pai poderia ser preso.
Mas bem lá no fundo, ela não ligava tanto quanto queria ligar. Na verdade, sentia uma pequena esperança de que ele fosse preso, por inúmeros motivos asquerosos. Sim, asquerosos. Ela não conseguia evitar sentir asco por si mesma, mentia para si que estava num lago cristalino, mas tinha certeza que era um pântano. Podia sentir, tinha tato para tal. Ela não admitia para si mesma que gostaria que ele fosse preso, mas pensava o tempo inteiro sobre isso.
Se ele for preso posso visitá-lo na prisão mesmo assim, pensava tentando se consertar. Mas era difícil, àquela altura. A maldita da verdade é que ela queria sentir mãos lhe afagando ternamente e abraços de conforto ao contar a triste história de sua família destroçada. E se sentiria muito bem com isso, tentando ignorar a maldita consciência que pulsava lhe chamando de nomes rudes. “Egoísta, cínica, necessitada”.
O pai saiu da sala.
Ele parecia nervoso, mas não iria ser preso por uma simples acusação como aquela. Não, que besteira pensar assim, não seu pai, tão bondoso como ela. A menina se levantou, na expectativa.
Apenas um B.O. Vamos para casa.
Sorriu, aliviada, ou querendo estar aliviada. Queria mesmo era tomar um banho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário